VILAR DE MOUROS SEMPRE

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sábado, 29 de maio de 2010

LUSÍADAS RECICLADOS


Pois é, o incrível aconteceu! Há dias tive um sonho (nos sonhos tudo é possível, como sabem…) em que, estando eu a esforçar-me por chegar ao fundo do quinto copo de ginja, sozinho, numa tasca alfacinha, a ver se afogava a crise no alambique do meu estômago ou, no mínimo, a esquecia através da anestesia dos meus neurónios, entra um estranho personagem, vestido à moda do século XVI e com o olho direito à belenenses. Pensando que estava com visões devido ao excesso de álcool, ia a levantar-me quando esse desconhecido, educadamente, me perguntou se podia sentar-se um pouco à minha mesa. Consenti, sentou-se, olhou-me fixamente e disparou:
- Vives da política ou posso confiar em ti?
Só então reparei bem na cara dele. Não me era estranha de todo. Hesitante, respondi-lhe:
- Não, nunca vivi da política…nem precisei dos "políticos" para me "safar" na vida...mas quem és tu e porque estás vestido assim?
- Conheces? – perguntou, entregando-me um velho exemplar de um volumoso livro.


- Claro – respondi-lhe – são os Lusíadas, o maior poema épico de Portugal.

- Então, e não me reconheces?

- Não, não pode ser…tu não és….o Luis de Camões?! – questionei, estupefacto!

- Pois é, sou eu próprio e agora escuta-me com atenção que tenho de regressar aos Jerónimos antes que o guarda dê pela minha falta e me ponha de faxina aos sanitários: o belo livro que compus está hoje de tal modo desactualizado que quase sinto vergonha de o ter escrito. Nem imaginas as voltas que tenho dado no túmulo quando ouço as notícias sobre o que se passa no país que eu tanto amei e enalteci nos Lusíadas. Estou dorido, tenho a cabeça a andar à roda de tantas voltas dar e sinto-me revoltado. Por favor, ajuda-me a sair deste inferno e adequa os meus textos à vil tristeza que domina, hoje, a nossa pátria!

- Mas como, Luís?... eu não sou poeta, não me atrevo?!!! – tentei desculpar-me.

- Não tenhas receio! Senta-te nas margens do rio mais próximo da tua casa, concentra-te e aguarda a inspiração das musas. Eu estarei contigo através delas.

Tal como entrou, saiu, sem se despedir e mais não o vi.

Quando despertei, embora algo descrente, não resisti à tentação de experimentar o que me fora pedido. Corri a sentar-me junto à margem do Rio Coura, fechei os olhos, apelei às suas musas e, qual não é o meu espanto quando oiço, ao longe, em coro e quase sussurrando, vozes celestiais dizendo:

I

               As sarnas de barões todos inchados
               Eleitos pela plebe lusitana
               Que agora se encontram instalados
               Fazendo aquilo que lhes dá na gana
               Nos seus poleiros bem engalanados,
               Mais do que permite a decência humana,
               Olvidam-se de quanto proclamaram
               Em campanhas com que nos enganaram!

II

               E também as jogadas habilidosas
               Daqueles tais que foram dilatando
               Contas bancárias ignominiosas,
               Do Minho ao Algarve tudo devastando,
               Guardam para si as coisas valiosas…
               Desprezam quem de fome vai chorando!
               Gritando levarei, se tiver arte,
               Esta falta de vergonha a toda a parte!

III

               Falem da crise grega todo o ano!
               E das aflições que à Europa deram;
               Calem-se aqueles que por engano…
               Votaram no refugo que elegeram!
               Que a mim mete-me nojo o peito ufano
               De crápulas que só enriqueceram
               Com a prática de trafulhice tanta
               Que andarem à solta é que me espanta.

IV

               E vós, ninfas do Coura onde eu nado
               Por quem sempre senti carinho ardente
               Não me deixeis agora abandonado
               E concedei engenho à minha mente,
               De modo a que possa, convosco ao lado,
               Desmascarar de forma eloquente
               Aqueles que já trazem, no seu gene,
               A besta horrível do poder perene!

     As minhas desculpas, caro Luís, se te entendi mal.

8 comentários:

  1. Entendeste muito bem Basílio. Camões deve estar agora mais aliviado. Parabéns aos dois!

    Carlos

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  2. Estou admirada com a tua veia poética!Está fantástico!Acho que deves continuar! Beijoca grande.

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  3. Bem mais adequado aos tempos que correm..."O sonho comanda a vida", por isso continua a deliciar-nos com as tuas publicações...

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  4. Com uma só palavra te aprecio: GENIAL.
    Oxalá já estejas totalmente recomposto para outras maravilhas mais...
    Um abraço.

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  5. Muito do teu TALENTO já eu conhecia camarada, mas agora acabas de revelar mais uma faceta!!!!!!!!!!!! Parabéns, e as tuas rápidas melhoras porque queremos mais, muito mais.
    grande abraço, Carlos Alves

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  6. Fantástico... genial... divirti-me a sério. Os seus amigos inteligentes teceram os comentários mais elogiosos e eu subscrevo-os a todos. Este blog não é mesmo para analfabetos intrometidos, deviam abster-se de comentários.

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