Teve lugar no dia 30 de Julho, pelas 21H30, uma Assembleia de Freguesia extraordinária para análise, discussão e votação de uma proposta de protocolo elaborada conjuntamente pela Câmara Municipal de Caminha, Junta de Freguesia de Vilar de Mouros e AMA – Associação de Amigos do Autismo, em que esta última entidade assume a organização da um pacote de festivais de música, de 2014 a 2017.
Do clausulado desse protocolo, que pode ser consultado na íntegra aqui, parece-me merecedor de destaque o seguinte:
1 - Toda a receita e/ou mais-valia, financeira ou não, obtida com a realização das edições do festival reverterão para a AMA – Associação de Amigos do Autismo, que a canalizará para a construção de um edifício com a área total de 3327 m2, cujo projeto já se encontra aprovado, especialmente concebido e adaptado para a problemática em causa, situado em Viana do Castelo, num terreno cedido pelo município local;
2 - A essa associação compete:
- Responsabilizar-se por eventuais prejuízos decorrentes dos festivais e comprometer-se a organizá-los no “respeito pelos objetivos estabelecidos nas Linhas Estratégicas para a Organização do Festival de Vilar de Mouros”, documento que faz parte integrante do protocolo;
- A contratação de artistas, equipamentos, palcos e outras estruturas;
- a angariação de patrocinadores, apoios e parcerias;
- a limpeza diária do recinto e parques de campismo nos dias do festival;
- contratar e planificar os serviços de segurança de trânsito e pessoas, no período do festival;
- subscrever um seguro de multirrisco;
- selecionar e coordenar modelos de implantação de bares e outros tipos de concessões, dentro e fora do recinto, num raio de 1 Km;
- negociar com os particulares, em colaboração com a Junta e Câmara, a cedência dos terrenos necessários, nomeadamente para campismo e estacionamento;
- pagar à Junta de Freguesia € 10 000,00, sessenta dias antes de cada edição de festival;
- oferecer mil ingressos para distribuir gratuitamente pela população residente.
3 - Ao Município compete:
- a cedência de terrenos de que seja proprietário para estacionamento e campis- mo;
- A preparação e limpeza do recinto com três semanas de antecedên- cia;
- a criação de condições de saneamento e fornecimento de água e eletricidade;
- emissão das licenças da sua responsabilidade e colaboração na obtenção de outras;
- disponibilizar, em boas condições de funcionamento, equipamentos existentes no recinto;
- a implantação da sinalética de trânsito;
- a colocação de contentores em locais estratégicos e recolha periódica do lixo.
- o pagamento de € 10 000,00 à Junta, até sessenta dias antes do festival.
Compete-lhe ainda colaborar:
- na gestão de espaços para campismo e saneamento;
- na sensibilização quanto ao interesse na comercialização de comidas, bebidas e outros produtos relacionados com marcas e instituições patrocinadoras;
- na sensibilização quanto ao impedimento de acederem às imediações do festival postos de venda amovíveis não licenciados para o concelho de Caminha;
- na contratualização dos serviços de saúde – Bombeiros e/ou Cruz Vermelha
4 - À Freguesia de Vilar de Mouros compete:
- A cedência do espaço para a realização do evento, incluindo o tempo necessário à montagem e desmontagem dos equipa- mentos, bem como outros períodos a definir, para efeitos de realização de iniciativas de índole promocional;
- Utilizar os € 10 000,00 que deverá receber do município na requalificação das estruturas existentes no recinto e a construção de outras.
- Colaboração em todas as ações atribuíveis ao município, exceto no que diz respeito à contratualização dos serviços de saúde, colocação de contentores e recolha do lixo em locais estratégicos.
Na Cláusula 9ª do protocolo consta que é “considerado como incumprimento o não pagamento das quantias acordadas por parte da terceira outorgante” (AMA)…mas consta também que “o não pagamento da quantia de € 10 000,00 por parte do Município de Caminha à Freguesa de Vilar de Mouros…não constitui motivo de resolução do presente protocolo…”
Na Cláusula 10ª é referido que em caso de incumprimento, pelo Município ou pela Freguesia, ambos ficam solidariamente responsáveis pelo pagamento à AMA de “todas as despesas que a mesma tiver por causa e por conta do Festival” mediante a apresentação de documentos comprovativos.
Analisando um protocolo como este e considerando o facto de estarmos a dois meses de eleições autárquicas, não será de estranhar que a assembleia de freguesia tivesse uma participação de público como há muito não se via, o que é bom mas, e isso já não é assim tão bom, decorresse num ambiente tenso, com muito nervosismo e alguma agressividade à mistura, o que em nada favorece a busca de entendimentos e o encontrar de soluções justas e equilibradas para um assunto que se reveste de elevado interesse não só para Vilar de Mouros como para todo o concelho.
Também não ajudou nada a deteção de algumas falhas dificilmente compreensíveis na preparação da assembleia, logo num momento crítico e tão importante como este, que indiciam, pelo menos, pouco cuidado por parte da mesa. Vejamos:
- da convocatória constava que iria ser apreciado e discutido o protocolo, mas não constava que o mesmo teria de ser votado nem aprovado; como é possível?
- embora conste, do próprio protocolo em análise, que as “Linhas Estratégicas para a Organização do Festival de Vilar de Mouros e a Dinamização do Espaço” fazem parte integrante do mesmo, a verdade é que esse documento não foi entregue aos delegados nem antes nem durante a assembleia, tendo de ser a Presidente da Junta a fazer um breve resumo oral do mesmo.
Erros e lapsos podem sempre acontecer, mas logo dois e no atual contexto são deveras reveladores de que qualquer coisa não está bem.
Quanto ao decorrer dos trabalhos participou, como convidado pela autarquia, Marco António Horta dos Reis – Presidente da Direção da AMA –Associação de Amigos do Autismo, que explicou aos presentes o que é, como surgiu, qual o seu percurso, o que faz e o que se propõe fazer no futuro a instituição que dirige, uma IPSS reconhecida como pessoa coletiva de utilidade pública, com sede em Viana do Castelo.
Justificou a candidatura à realização do Festival de Vilar de Mouros como perfeitamente enquadrável na vertente empresarial da sua associação, vertente essa que é utilizada com o objetivo de angariação de receitas, de forma a fazer face aos elevados custos nos apoios à problemática do autismo.
Sobre o protocolo tentou responder a todas as questões e dúvidas que lhe foram apresentadas, curiosamente sempre e apenas pelos três delegados da oposição, garantindo que, apesar de só agora estar a entrar na mecânica da organização de eventos deste tipo, está certo que vai fazer do Festival de Vilar de Mouros 2014 um grande êxito e o de melhor cartaz a nível nacional, como forma de o relançar e atrair patrocinadores que sejam garantia de obtenção de importantes mais valias nas edições agora acordadas.
A Presidente da Junta manifestou a sua total confiança na capacidade do dirigente máximo da AMA para o projeto que se propõe desenvolver e ambos tentaram dar resposta às muitas dúvidas e algumas sérias críticas formuladas ao documento em questão. De entre elas destaco:
- o porquê de se efetuar, numa altura destas, um contrato como este, que é assumido por quem está em fim de mandato e vai comprometer, por quatro anos, concorde com ele ou não, quem vier a ser eleito;
- a exiguidade das verbas a receber pela freguesia que, se as coisas correrem mal, pode até vir a ter prejuízo já que, conforme cláusula 10ª, se houver incumprimento do clausulado deste protocolo, da responsabilidade do Município ou da Freguesia, ambos terão de, “solidariamente”, pagar à AMA, “todas as despesas que a mesma tiver por causa e por conta do Festival” ;
- a cláusula que permite ao Município, na prática, poder deixar de pagar os € 10 000,00 à Freguesia, porque, se não o fizer, não acontece nada…"sendo tal matéria tratada em sede própria”.
A justificação para a primeira destas questões, e com alguma lógica, foi que, se não fosse assinado agora o acordo e se se esperasse pelas eleições, já não seria viável a realização do festival de 2014, uma vez que, dada a qualidade do cartaz que se pretende, não haveria bandas disponíveis nessa altura.
Aqui, embora a escolha do timing continue a pôr muitas reticências, poderei dar o benefício da dúvida, mas quanto às outras duas…acho que ninguém ficou convencido. Compreende-se que não se possa impedir a realização do festival, por qualquer motivo menor, a dois meses de distância (era o que faltava…), mas já não se compreende que se admita que o município se dê ao luxo de não pagar os “miseráveis” dez mil euros que se comprometeu a pagar e…não aconteça nada! Também não é fácil de entender que uma associação que tem como objetivo construir instalações orçadas em cerca de três milhões de euros, fora do concelho, e pretenda fazê-lo com as mais valias resultantes da realização do Festival de Vilar de Mouros, não possa disponibilizar mais que dez mil euros por edição à Freguesia.
Bem, seja como for, este protocolo, posto à votação, acabou por ser aprovado por três votos e meio a favor, um contra e duas abstenções. O meio voto foi como eu contabilizei a decisão de um delegado da maioria que declarou que votaria a favor na condição de se fazerem algumas alterações. Não referindo, explicitamente, quais, parece-me evidente que não poderão deixar de ir de encontro às críticas e propostas apresentadas pelos eleitos da oposição, até porque foram os únicos a fazê-lo, como já disse.
Uma brevíssima apreciação final minha a tudo isto, pedindo desculpa aos amigos que tiveram a paciência para ler até aqui…
Este protocolo está feito à medida dos interesses do Município. Melhor dizendo, dos interesses eleitoralistas de quem lá está e tudo fará para continuar porque, pelos vistos, dá muito jeito.
Se repararmos bem, as obrigações da câmara são mínimas. Aquilo a que se compromete, para além das "colaborações", limita-se pouco mais que a ceder o que já existe (terrenos de que é proprietária…quais?), mantendo funcionais equipamentos, fazendo umas limpezas, colocando uns contentores, recolhendo o lixo, passando umas licenças (também era melhor…), pondo sinalética e…pagando à Freguesia 10 000,00 euros, se para aí estiver virada! Claro que se a Junta a eleger for amiguinha, é provável que pague, se não for…logo se vê. A indefinição sobre o que compete ao Município e à Freguesia também é impressionante. Ambos fazem, em colaboração, quase a mesma coisa. Isso é mau? Claro que não, desde que haja respeito pelas competências, pela capacidade, pela autonomia e até pela dignidade de cada um. Só que eu ainda não me esqueci do que entende por “colaboração” quem detém, hoje, o poder municipal.
Por outro lado nota-se que este documento foi elaborado à pressa, feito em cima do joelho para não “cair” ainda mais em cima das eleições. Não? Então pergunta-se:
- Quem é o responsável pelo pagamento dos Serviços de Saúde, Bombeiros e/ou Cruz Vermelha, uma vez que ao Município apenas compete “colaborar” e nada consta nas atribuições da Freguesia e da AMA a esse respeito?
Bom, vou mesmo concluir. Resta-me desejar os maiores êxitos à Associação de Amigos do Autismo, a todos os níveis, incluindo o Festival de Vilar de Mouros, se possível, com um executivo mais democrático na Câmara Municipal.